Observatório aponta fraude após oito pessoas negras perderem vaga em concurso do INPA
Sorteio levou oito pessoas da ampla concorrência a assumirem vagas, em detrimento de cotistas que tinham direito aos cargos
O grupo de pesquisa Observatório das Políticas Afirmativas Raciais (Opará), da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), denunciou que oito pessoas negras perderam o direito às cotas raciais no concurso do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) realizado no ano passado e com as nomeações publicadas em junho deste ano.
Das 63 vagas disponibilizadas para o concurso, 47 eram para ampla concorrência, 12 eram reservadas a candidatos negros e quatro reservadas para pessoas com deficiência (PCDs). Entre as vagas da cota de negros, 10 eram para o cargo de Pesquisador Adjunto na carreira de Pesquisa em Ciência e Tecnologia e duas para Tecnologista Pleno na carreira de Desenvolvimento Tecnológico.
No entanto, o grupo Opará e os cotistas prejudicados denunciam que apenas quatro pessoas negras foram nomeadas por meio das cotas raciais após a realização dos sorteios. Desde julho, os pesquisadores afirmam que o Ministério da Igualdade Racial (MIR), o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI) e o Ministério da Gestão e Inovação (MGI) “não se incomodam em transferir oito vagas reservadas [para negros] para pessoas brancas na ampla concorrência”.
A decisão de distribuir as vagas por meio de sorteio ocorreu após uma nota técnica do MIR, que recomendou a modalidade. Segundo a coordenadora do observatório, professora Ana Luísa Araújo, a nota técnica prejudica muito os candidatos negros nos concursos públicos e enfatizou que o certame do Inpa foi um dos mais prejudicados.
“Temos feito muitas pesquisas e evidenciando como as instituições federais […] reproduziram mecanismos de burla nos editais de concursos públicos que acabaram por excluir a população negra do seu direito. E o sorteio é uma das formas mais perversas que tem, porque faz a reserva de 20% das vagas, mas não reconhece que todo candidato negro dentro do certame tem direito e o coloca à própria sorte”, disse.
O documento, elaborado em conjunto com a Comissão Especial de Concursos MCTI, ressaltou a obrigação de um edital único por unidade de pesquisa e aplicação de reserva de 20% das vagas para cada cargo. O próprio edital do concurso público do Inpa, no item 1.3, já previa a realização de sorteio para as vagas reservadas para negros e PCDs em sessão pública aberta e gravada. Após o sorteio, as vagas seriam informadas por meio do Diário Oficial da União.
Ana Luísa Araújo ressaltou que a “sorte não pode ser um fator regulador para ter acesso a um direito” e, junto Opará, defende a revogação da nota técnica.
Violações
Uma das candidatas afetadas foi a pesquisadora amazonense doutora Wanessa Nascimento, que inclusive ingressou com uma ação já Justiça Federal contra o Inpa ainda em dezembro de 2024. Segundo ela, seu nome foi excluído da lista de nomeados apesar de ter sido a primeira colocada em sua especialidade: cargo de pesquisadora com atuação em Psicologia Ambiental e Educação Ambiental.
A candidata ressaltou que o sorteio tinha colocado previamente sua especialidade na vaga de PCDs, em vez da reserva de pretos e pardos. O Inpa teria feito o sorteio das 12 vagas para cotas raciais “antes de ter os candidatos pretos e pardos inscritos, contrariando uma decisão do STF que diz que não podem sortear as vagas”.
“Com a redução agora para quatro cotistas negros aprovados, apenas 33% das vagas [reservadas nas cotas] serão ocupadas por pretos, as demais serão preenchidas pela população branca, apesar de ter uma lei federal que diz que as vagas precisam ser preenchidas por candidatos pretos e devidamente aprovados neste concurso.”, disse.
A pesquisadora classificou o corrido no Inpa como “um retrocesso na política afirmativa” brasileira e “uma das maiores violências com a Amazônia e sua população”. Embora existam outros candidatos pretos aprovados no concurso, nenhum está nas vagas sorteadas restantes. O grupo de cotistas implorou para que o Inpa cumpra a Lei de Cotas para a comunidade preta, mas a instituição teria se recusado a fazê-lo.
A situação levou o Fórum Permanente de Afrodescendentes do Amazonas a emitir uma nota de repúdio endereçada às ministras Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), Macaé Evaristo (Direitos Humanos), Anielle Franco (Igualdade Racial) e ao Ministério da Justiça, comandado por Ricardo Lewandowski.
As instituições ligadas ao fórum criticaram a forma como o Inpa atuou “ao atropelar todo o processo do certame de seleção” e acusou a unidade de utilizar “subterfúgios como forma de lavar as próprias mãos”.
“Consideramos essa atitude inaceitável e contrária aos princípios da legalidade, equidade, igualdade racial, justiça social, reparação histórica e do direito ao contraditório, da visão que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, trata das questões sociais para às então chamadas ‘minorias’. Isso fere toda a ideologia do governo federal e tudo aquilo que foi duramente construído para combater o racismo estrutural e institucional”, afirmaram.
Justiça
Para garantir a reparação, o partido Rede Sustentabilidade (Rede) ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a adoção de sorteio para aplicação de cotas raciais em concursos públicos, tendo como base casos ocorridos no Concurso Público Nacional Unificado (CNU) e em outras instituições e unidades federais, como o Inpa.
A arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 1245 foi distribuída ao ministro Flávio Dino que, no entanto, se declarou impedido julgar o caso pelo fato de seu irmão, o subprocurador-geral da República Nicolao Dino, estar envolvido em um processo semelhante que tem como alvo o edital da segunda edição do CNU. A ação da Rede deve ser distribuída a outro ministro.
O partido argumenta que, embora o Supremo tenha reafirmado a constitucionalidade dessas ações afirmativas e vedado qualquer retrocesso social, tem aumentado a utilização de sorteio para definir quais vagas ou especialidades serão contempladas com a reserva de cotas raciais.
Na ADPF, o partido pede ao STF que suspenda a aplicação dos sorteios, inclusive os previstos no CNU, e determine às instituições públicas que apliquem as cotas raciais da Lei 15.142/2025 de forma universal, garantindo a todos os beneficiários das ações afirmativas o direito de dupla porta de entrada, independentemente da especialidade, área ou lotação.